O acidente com a moto me levou a ficar uns dezesseis dias em coma. A colisão havia sido forte. Os médicos relatavam que o oxigênio não estava chegando suficientemente ao meu cérebro, em breve não teria mais possibilidades de viver. Só me restava a morte. Eu já tinha visto aquele capuz preto segurando a foice outras vezes. Sem fazer acordos, sem esforço algum, sai vivo, graças as Forças Sobrenaturais Divinas que nos guardam em terra até o fim da vida.
Dessa vez, havia sido diferente, minha falta de diligência e desprezo pelo viver, deu a morte, oportunidade de me arrastar para as profundezas. Lá estava eu, morto, uma memória entregue ao esquecimento.
A batalha entre a vida e a morte se travava. Meu corpo, com os órgãos vivos, poderia ser doado para alguém. Mas, não enquanto meu cérebro estivesse vivo. Então aconteceu de “minha consciência” voltar. Levaram-me para o quarto. Ainda era uma memória entregue ao esquecimento. Eu não estava lá. Alguém havia possuído meu corpo para me salvar dos protocolos médicos que afirmariam a impossibilidade de reversão do estado em que me encontrava. Foi mais vinte oito dias que me encontrei morto. Meu corpo estava na cama, desperto e com um enorme peso amarrado na perna devido à fratura no fêmur.
O anjo bêbado, assim o apelidei, se portou por mim nesses dias, segundo o que me foi dito por quem me visitou e pelas enfermeiras. Mas, claro, não falavam do anjo, me acusavam das coisas mais bizarras possíveis. Às vezes, parecia uma criança falando, mas, aturdia todas as palavras, não dizendo uma frase inteira com nexo. Além de não dormir por dias, mesmo sob efeito de remédios. O que deixava os médicos e enfermeiras intrigados. Fazia algazarra sonora, dia e noite. O que impediu qualquer outro paciente permanecer no mesmo quarto do hospital.
Quando minha memória retornou do esquecimento, lá estava eu, perplexo e calado. O que deixou as enfermeiras admiradas, não sem antes usarem de muita ironia comigo. Não haviam presenciado o anjo bêbado. Eu não entendia porque estavam me tratando daquela forma. Até me dizerem o que tinha se passado quando saí da UTI e me disseram o tanto de dias que estava lá. Fiquei mais pensativo e quieto, porém, não arriscaram colocar outro paciente no mesmo quarto até eu receber alta.
Lá estava eu, vivo, salvo pelo anjo bêbado, sofrendo as consequências de minhas escolhas. Aguardavam meu cérebro, acalmar o ânimo, voltar ao estado normal, para então, realizarem a cirurgia e colocar parafusos no meu fêmur.
Após a cirurgia, certa noite, sonhei que tinha que ir ao banheiro, me levantei e fui. No sonho pensei que iria, na realidade, me estatelei no chão. Não lembro quanto tempo fiquei caído. Então me amarraram na cama. Eu não tinha argumentos plausíveis para fugir da situação, depois de tudo que o anjo bêbado havia feito.
Estou vivo! Que tivesse feito duas vezes!