Cinco e quinze, madrugada, eu em frente de casa. Já fazia duas semanas e meia que eu estava em uma rotina na qual me incumbia diariamente ir, junto de meu pai e mais algumas pessoas, para uma cidade vizinha. Não era um longo trajeto, talvez uns oitenta quilômetros, porém tínhamos que chegar na cidade antes das sete horas, cada um ficava em um destino diferente, onde tinham as suas responsabilidades.
Na previsão do tempo, a meteorologia indicava um clima seco, realmente estava muito seco e quente aquele mês; calor, baixa umidade, a temperatura não estava nem um pouco agradável. Passávamos por uma primavera adversa, como relatei em outra crônica com o título “Diálogos mentais’’, não houve um de seus propósitos, a transição do inverno para o verão, uma vez que o frio não se fez presente da forma que se espera em um inverno.
Os dias estavam absurdamente quentes. Um reflexo do aquecimento global, desmatamento, poluição; enfrentamos tempos difíceis, que têm tudo para piorar devido à ação da “inconsciência humana”, isso para não usar palavras com adjetivos pejorativos a respeito de nossa espécie. A falta de chuva, o excesso dela em certos lugares causando enchentes e destruição, as queimadas… Faça sol, faça chuva, os problemas desse desequilibro ambiental vem, sem falta e em fartura.
Na noite anterior, era uma quinta-feira, o tempo tinha se formado para chuva, ventava bastante, houve uma interrupção no fornecimento de eletricidade que afetou uma grande parte do bairro onde moro. Isso não durou muito tempo, mas foi a indicação da natureza de que uma tempestade estava por vir. Os jornais da região relatavam quedas de árvores em algumas cidades da circunvizinhança, chuva de granizo em outras. Eu estava apreensivo com a curta viagem do dia posterior, o trajeto de uns quarenta, cinquenta minutos na estrada. Ainda que o trajeto era feito por uma rodovia federal equiparada por duplicação, o fator de risco, pista molhada e visibilidade ruim devido à chuva, isso se estivesse chovendo no horário, são altos. Isso me preocupava. Mas o tempo rapidamente se acalmou e, no decorrer da madrugada, já não havia a ameaça de temporal, na verdade, nem de chuva calma, o céu se abriu e deu lugar às estrelas. Ao acordar, na madrugada, senti um clima bem suave, tanto o clima do tempo quanto o clima sentimental de que tudo estava bem, o dia seria bom, tranquilo, um dia de paz. Realizei as tarefas de higiene pessoal, tomei um café, fui para frente de casa, olhei o céu, ventava um pouco, observei ao longe no horizonte algumas nuvens carregadas e pensei:
— É, talvez se o vento virar mais para o sul, pode trazer essas nuvens para derramar água aqui. Espero que não seja agora!
Olhei no celular, às cinco e quinze da manhã. Percebi que tudo estava tranquilo, tranquilo até demais. Um silêncio incomum. Essa quietude chamou minha atenção. Tudo bem, em uma cidade de médio porte com menos de cem mil habitantes, as madrugadas são desérticas e silenciosas. Apesar da rua de minha casa ter um tráfego considerável nos horários de pico, que se deu por conta da pavimentação ainda um pouco recente, uns sete ou oito anos, e com isso surgindo o desenvolvimento habitacional, a criação de novos bairros e condomínios em lugares onde só havia mato; falando em lugares onde só havia mato, me lembrei de um soneto de minha autoria, chama-se “Retrato da floresta”, faz parte do livro Inspetoscópio: Uma investigação da alma; onde, o soneto termina dizendo, ‘’Onde nascia mato, hoje só tem cimento”, fim da epígrafe. Fazendo com isso: a criação de novos bairros, a ligação entre os que já existiam e que também se desenvolveram e aumentaram consideravelmente em número de residências arquitetadas.
Então, como é de praxe, minha mente se concentrou nesse vácuo sonoro, tentando descobrir alguma coisa. Foi um lapso de milissegundos entre inanição sonora e o soar da agitação das folhas do salgueiro-chorão plantado na calçada, o qual distava cerca de uns três metros e meio de onde eu estava.
Foi incrível perceber o som nascendo como se eu o ouvisse pela primeira vez. Aquele som suave adentrando em meus tímpanos em uma frequência gradativa, que mais parecia alguém apertando vagarosamente o botão de volume mais do controle remoto de um som estéreo a procura de equalizar e poder discernir todos os instrumentos de uma música sem causar danos a audição e a propagação. Do meu lado direito, uma leve agitação nas folhas da frondosa washingtonia, que se dava quando, empurradas pelo vento, se tocavam. Me dei conta da surdez relativa ao ressoar da natureza. Indagado com essa perspectiva, começava a ouvir todos os outros sons provindos da antecedência do amanhecer. Alguns galos cantando, cachorros latindo, um pássaro que eu não soube distinguir pelo canto sua espécie, em constante alarido alto, cambaxirra exercitando a siringe, anunciando a proximidade do amanhecer; escutei também alguns filhotes de gato, que pelo o que se ouvia, estavam miando a reivindicar o leite materno de uma mãe que não se fazia presente no momento. Já se ouvia por perto alguns carros se locomovendo em direção ao trabalho de seus motoristas, pode ser que alguns estivessem indo para outros lugares, com outras finalidades. A minha casa fica em uma rua que possui exatamente dois quilômetros e setecentos metros, segundo o mapa online, nunca medi; é num trecho, que faz ligação entre uma avenida e a BR, de um quilômetro e meio mais ou menos, onde a maioria de um dos lados não é residencial. Indo da avenida para a Br, o primeiro e menor lote de quarteirão é vazio, em seguida um quarteirão de casas, depois cacharas e, quando se aproxima da Br, condomínios. Já o outro lado, onde fica minha casa, quase todo ele possui residências. Na BR, já havia caminhões passando, o que dava para ouvir plenamente devido ao então quase silêncio.
Foi um instante que me proporcionou uma considerável e rica reflexão. E, que ficou marcado em meus pensamentos a partir do momento em que todos os barulhos do dia soaram e orquestraram a sinfonia da rotina diária enquanto minha consciência exclamava em admiração:
— Uau! Ouvi o nascimento de cada um dos sons do amanhecer, isso foi incrível!
Everton F. Messias